Se uma ONG recebe dinheiro público, ela precisa prestar contas como qualquer outro órgão público, nos casos de recebimento do setor privado não existe essa necessidade. A confiança se constroi com transparência — e não com discursos.
Nos últimos anos, tenho me dedicado a acompanhar a transformação do Terceiro Setor no Brasil, especialmente no que diz respeito à transparência e à gestão de recursos. O que tenho observado é um movimento crescente — e necessário — de cobrança por mais clareza nas ações e nos gastos das organizações da sociedade civil, especialmente daquelas que recebem verbas governamentais. Mas será que o setor está acompanhando essa mudança de cultura?
O Terceiro Setor surgiu como resposta às inúmeras lacunas deixadas pelo Estado. É por isso que seu papel social é tão essencial. Porém, justamente por lidar com a dor de milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade, sua atuação precisa ser ainda mais ética, profissional e transparente. Não podemos permitir que o conceito de “pilantropia” — a mistura perversa entre filantropia e crime financeiro — ganhe força e manche o trabalho sério de tantas instituições comprometidas.
Transparência: obrigação ou estratégia?
A transparência não é apenas uma exigência legal, mas um diferencial competitivo para organizações que desejam crescer de forma sustentável. A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e a Lei Complementar 131/2009 já garantem, há anos, o direito da sociedade de acessar informações sobre a gestão pública e, por consequência, sobre recursos públicos repassados ao Terceiro Setor.
Porém, a prática mostra que estamos muito longe da aplicação plena dessas normas.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) tem sido categórico: é dever das organizações sociais divulgar, de forma detalhada, a aplicação dos recursos públicos recebidos, inclusive com informações como a remuneração de dirigentes, contratos firmados, fornecedores e prestação de contas dos projetos executados.
Mas o que a fiscalização revela? Faltam dados. Faltam portais atualizados. Falta transparência. De forma recorrente, o TCE constata que muitas entidades ainda descumprem as exigências legais, o que pode levar a penalidades e até à responsabilização judicial.
Compromisso que se transforma em prática
A transparência na TODXS não é apenas uma obrigação, mas uma escolha estratégica e ética. Já vínhamos desenvolvendo, ao longo dos últimos anos, parcerias com instituições privadas que exigem a prestação de contas de programas financiados. No entanto, entendemos que esse movimento precisa ir além do dever contratual — ele deve alcançar todas as pessoas que confiam e se conectam com o nosso trabalho.
Por isso, em 2023, iniciamos um processo de adequação para tornar públicos, compreensíveis e amplamente divulgados todos os nossos relatórios. Essa iniciativa se consolidou em 2024, com a reformulação do nosso site e a inclusão dos relatórios de atividades, financeiros e contábeis.
Para ter acesso a todas informações clique no link: www.todxs.org/transparencia
Em 2025, demos mais um passo à frente: ampliamos a transparência incorporando dados sobre Governança, nosso Estatuto Social e, principalmente, melhorando ainda mais a forma como apresentamos o impacto das nossas ações e a origem dos recursos investidos.
Esse esforço já apresenta frutos: nossos relatórios financeiros demonstram crescimento nas doações internacionais e maiores investimentos em programas estratégicos, o que reforça o papel da TODXS como uma organização que promove transformações reais na vida da comunidade LGBTI+, fortalece lideranças e impulsiona mudanças estruturais na sociedade.
A prestação de contas clara e acessível aumenta a confiança da sociedade e dos financiadores. A transparência, portanto, é também uma estratégia de fortalecimento institucional, nos ajuda a entender que a prestação de contas tem duas dimensões importantes: os padrões exigidos pela sociedade e a resposta das organizações a essas expectativas — que pode ser reativa ou proativa.
Um convite à reflexão
Estamos vivendo um momento de virada. A sociedade exige mais clareza, o poder público cobra mais prestação de contas, e as organizações que não se adaptarem correm o risco de perder espaço, credibilidade e recursos.
Mas eu acredito que é possível — e necessário — construir um Terceiro Setor mais ético, transparente e comprometido com seu propósito social.
Agora quero ouvir você:
Na sua opinião, o que falta para que a transparência seja uma realidade em todas as organizações do Terceiro Setor? Comente, compartilhe sua visão e vamos fortalecer esse debate.
A transformação começa no diálogo.
Especialista Financeira
Pós-graduada em Política Brasileira e Realidade Socioeconômica.