Mês da mulher NÃO. Mês de todas as mulheres ou Mês das mulheridades e essa nova abordagem reconhece que ser mulher é início e disso se derivará muitas possibilidades de expressar mulheridades.
A luta de mulheres pela desconstrução dos estereótipos de gênero e pela equidade!
Mês de março e historicamente, mulheres ganham um pouco de escuta ativa para que narrativas do que é ser mulher em uma sociedade ainda extremamente machista e pouco equitativa significa. Esse mês tem se ressignificado e diferente dos erros do passado, onde entendíamos esse mês sobre uma perspectiva de romantização, entendemos que o mês de todas as mulheres é principalmente para conscientizarmos e lembrarmos que apesar de mulheres serem a maioria populacional no Brasil – 51,5% da população brasileira contra 48,5% de homens, essa mesma proporcionalidade não se repete nas ocupações de espaços, oportunidades de protagonismo, representação em cargos de liderança, política e demais camadas da sociedade que falam da nossa ascensão.
Para se ter uma ideia, segundo um estudo realizado pela FIA Business School, que analisou respostas de mais de 150 mil funcionários de 150 grandes empresas do país premiadas com o selo Lugares Incríveis para Trabalhar 2023 – Mulheres representam 43% do quadro de funcionários, mas ainda estão sub-representadas quando olhamos as oportunidades em cargos de lideranças, ocupando 38% dos cargos de liderança no Brasil em 2023. Em contrapartida e de modo que a necessidade das ações de equidade estejam explicitadas, elas geram níveis mais altos de confiabilidade e de popularidade nas organizações. Para 50% dos entrevistados em 2023, as CEOs têm uma gestão excelente, enquanto os CEOs receberam a mesma avaliação por 43% dos funcionários. 79% confiam totalmente em sua CEO, enquanto, para os CEOs homens, o nível de confiança foi de 72%.
Além disso, as CEOs mulheres são conhecidas por 84% dos seus colaboradores, enquanto os homens nesse cargo são conhecidos por 79% do pessoal. Os dados demonstram a força dos estereótipos de gênero: enquanto os funcionários observam que as mulheres valorizam 50% mais a proximidade do que os homens, eles foram avaliados como mais conservadores e orientados para resultados.
Os estereótipos não criam apenas visões precipitadas, mas tiram a oportunidade de mulheres serem protagonistas das suas próprias jornadas e narrativas!
Essa ausência de representatividade se alimenta pelos vieses do que é ser mulher e adjetivos historicamente atribuídos que sempre condicionaram para mulheres um papel de subalternidade, inferioridade com relação aos homens e claro, a tentativa de universalizar o que é ser mulher, excluindo diversas possibilidades de ser e expressar mulheridade quando esse sujeito mulher, não atende requisitos estereotipados.
Mas afinal, o que significa o termo mulheridades?
Durante anos ser mulher foi baseado em uma construção eurocêntrica e extremamente excludente, definida por padrões de comportamentos, de atitudes, de características físicas, biológicas e até culturais, atribuindo para as mulheres uma universalização que fere o direito de expressar mulheridades respeitando as perspectivas singulares e heterogêneas.
Diante desse contexto histórico de universalização do ser mulher, mulheridades quebra os estereótipos e abraça a ideia de que nenhuma mulher é igual a outra, muitos fatores podem fazer com que cada mulher tenha a sua própria definição e necessidade de expressar sua própria versão do que é ser mulher e que não existe um checklist de validação. O próprio movimento feminista mais originário, fomentava a luta por direito das mulheres, porém as mulheres que eram abraçadas pelo movimento eram brancas, vinham de classes de privilégios e inclusive se utilizavam do trabalho de mulheres negras e escravizadas. Podemos então concluir que o movimento feminista não lutava pelo direito de todas as mulheres, já que mulheres negras ainda não tinham direito de fala e suas demandas não eram atendidas e visibilizadas pelo movimento.
Mulheridades resgata esses marcadores históricos e valida todas as possibilidades de ser e expressar mulheridades com legitimidade e sem a necessidade de validação. Mulheridades quebra a universalização e que ser mulher está distante de encaixar em padrões estabelecidos.
Mulheres cisgêneros, mulheres transgêneros, mulheres brancas, negras, indígenas, mulheres heterossexuais, lésbicas, bissexuais, mulheres com ou sem deficiência – Cada uma dessas possibilidades de mulheridades terá uma experiência diferente, compartilhando de algumas vivências em comum; mas nenhum desses marcadores faz de alguém mais ou menos mulher, apenas possibilidades de existir sendo mulher, diversa e respeitando a singularidade.
Todas as mulheres, inclusive as trans e travestis!
Das provocações e novas abordagens sobre o mês da mulher, as intersecções também têm ganhado força nesse grande movimento de conscientização – se antes mulheres trans e travestis eram apagadas dessa abordagem, agora ocupam lugares arduamente conquistados, mas ainda reconhecidos por poucos. Apesar de poucos avanços, conquistas importantes, inclusive no aspecto político e legal, têm dado força para que essa naturalização da possibilidade de transmulheridades seja legitimada.
Recentemente mulheres trans e travestis conquistaram um grande marco legal, onde o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a proteção conferida pela Lei Maria da Penha deve ser estendida a casais homoafetivos formados por homens e a mulheres travestis e transexuais.
Para o relator da ampliação, ministro Alexandre de Moraes – Em relação às mulheres transexuais e travestis, Moraes entendeu que a expressão “mulher” – contida na Lei Maria da Penha – abrange tanto o sexo feminino como o gênero feminino. Para o ministro, “a conformação física externa é apenas uma, mas não a única das características definidoras do gênero. Há, portanto, uma responsabilidade do Estado em garantir a proteção, no campo doméstico, a todos os tipos de entidades familiares”, acrescentou Moraes em sua decisão.
Mulheridades é um compromisso com as interseccionalidades!
O Brasil lidera pelo 16º ano consecutivo, os índices globais de assassinatos contra mulheres trans e travestis; sendo a maioria das vítimas mulheres trans, jovens, negras e nordestinas, com crimes marcados por extrema violência. Em relatório de 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou que o crime mais frequente contra mulheres trans e travestis foi o homicídio, representando 80% dos crimes.
O conceito de mulheridades então, também tem um papel fundamental no combate aos crimes que se derivam e tem como vítimas as identidades de gênero femininas, sem excluir as identidades trans dessa triste realidade e levando em consideração as intersecções e que acabam por criar mais camadas de vulnerabilidades.
Lutar pela equidade e pela legitimidade das mulheridades respeitando jornadas diversas é um dever de todas as pessoas, inclusive dos homens. É sobre desconstruir padrões históricos e construir um mundo melhor e mais equânime para todas as pessoas.
Por Niodara Faria