Espeto de pau – Transmasculinidades e o Falocentrismo dentro da Comunidade LGBTI+

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Em 2022, a comunidade transmasculina no Brasil perdeu um de seus maiores ativistas. Popó Vaz foi suicidado e o motivo: transfobia. O que surpreendeu muita gente neste caso, não foi a transfobia no país que mais mata pessoas trans, mas o fato que grande parte dos ataques transfóbicos, que antecederam o suicídio de Popó, foram de pessoas LGBTI+.

Popó era casado com um homem cis e tinham um relacionamento aberto. Um dia antes de sua morte, vazaram um vídeo íntimo de seu marido com outro homem cis. Com isso, as redes sociais encheram Popó de ataques transfóbicos, que sugeriam que o fato de ele ser um homem trans e não possuir falo, foi o que levou seu marido a buscar relações com um homem cis. 

Precisamos entender o falocentrismo e os impactos dele para homens trans. 

A verdadeira guerra infinita

A transfobia dentro da comunidade LGBTI+ não é uma novidade, mas talvez seja um assunto pouco debatido, diante de pautas urgentes para a comunidade trans. Se o percentual estimado para quantidade de pessoas LGBTI+ no Brasil estiver próximo da realidade, pessoas LGBTI+ representam uma parcela da população estatisticamente microscópica. Apesar disso, as pessoas trans são extremamente vilanizadas por movimentos políticos que covardemente atacam as existências, direitos mínimos e dignidade desse grupo. Por conta disso, quase a totalidade dos esforços dos movimentos trans são voltados para proteger direitos como nome social, acesso à banheiros, garantia de moradia, educação e emprego, combate ao bullying e à transfobia. O recorte das transmasculinidades, neste cenário, também adiciona ao debate a dignidade menstrual, direito à exames e atendimentos ginecológicos e obstétricos dignos e direitos parentais. 

Como se não bastasse, além dos ataques de grupos conservadores e extremistas e da transfobia em todas as esferas da sociedade, pessoas transmasculinas se deparam com a supergenitalização das relações dentro da própria comunidade LGB+, que gera consequências devastadoras para pessoas transmasculinas, que vão vivenciar preterimento em relacionamentos e impactos imensos na saúde mental. Um exemplo desse cenário é quando homens gays cis falam que ‘têm nojo de vaginas’, não tão distantes de quando grupos hétero-cis dizem que um homem trans não é ‘homem de verdade’, porque não tem o “princi-pau”.

Diferente dos filmes de heróis que, apesar de dizerem que a guerra é infinita, eventualmente ela ter fim, para homens trans e pessoas transmasculinas existir é a verdadeira guerra infinita. Quando não é um grupo extremista ameaçando direitos, ou assassinatos e estupros corretivos acontecendo de um lado, estamos brigando pelo direito de engravidar ou de ter o nome social usado na notícia que vão fazer para comunicar nosso assassinato. Precisamos lutar até para ter o direito de morrer em paz. 

O impacto do falocentrismo para transmasculinidades

Muito além de uma ‘preferência’ por determinado tipo de corpo, o falocentrismo tenta invalidar as identidades das pessoas, resumindo-as simplesmente a seus órgãos reprodutivos, mas principalmente, estabelecendo padrões de corpos e superioridade de determinados corpos acima de outros. A origem desse problema não é nova e nem exclusiva da comunidade LGBTI+. O falocentrismo é uma das bases do machismo e da misoginia que, a partir de uma lógica de ódio contra aquilo que foi considerado social ou biologicamente como feminino, se expande para gerar a homofobia, especialmente, para homens gays afeminados, e também para gerar a transfobia.

O apagamento das transmasculinidades não é ao acaso, assim como as mulheres lésbicas enfrentam esse cenário também de invisibilização, sob a mesma ótica falocêntrica, que desconsidera ou menospreza pessoas e relações que não envolvem o falo. Tanto que, por não haver no Brasil métodos de proteção de IST pensados para relações envolvendo apenas pessoas com vulva, 45,86% dos homens trans, 44,08% de pessoas não binárias, 64,18% das mulheres cis lésbicas ou bissexuais nunca utilizam preservativos ou métodos de proteção de IST (Pesquisa Nacional por Amostra da População LGBTI+ – Saúde). 

O suicídio de Popó Vaz não foi um caso isolado, porque a transfobia constante e o falocentrismo desgastam o psicológico da maioria dos homens trans. Conforme o Relatório das Mortes e Violências contra as Transmasculinidades em 2023, 71,9% das pessoas transmasculinas já pensaram ou tentaram suicídio. Uma pesquisa lançada pela Revista Pediatrics sobre a taxa de autoextermínio entre adolescentes de 2012 e 2015 mostra que mais de 50% dos casos de suicídios foram cometidos por homens trans.  Não é a transgeneridade que gera ideações suicidas, é a transfobia. 

Por todas as cores do arco-íris

O mesmo sistema que ataca e ameaça os direitos de pessoas trans é o que ataca pessoas e direitos LGB+. Não só não é lógico, como é uma péssima estratégia de luta brigarmos dentro de casa, ao invés de concentrarmos esforços. 

Por mais que os ataques externos ameacem mais os direitos de pessoas trans e também fragilizem a saúde mental deste grupo, não podemos menosprezar o impacto da violência psicológica que, geralmente, machuca mais: a da família, principalmente, quando vem da família que nós escolhemos, enquanto pessoas LGBTI+, após não recebermos acolhimento pelas nossas famílias. 

O mês de fevereiro é dedicado às transmasculinidades. Diversas pautas são trazidas à tona e reflexões importantes são provocadas nesse período, apresentando os desafios e reivindicações desse grupo. Mas é urgente um olhar mais profundo e atento para a saúde mental da população transmasculina e um olhar sobre como o próprio movimento LGBTI+ tem contribuído para a invisibilização e exclusão desse grupo.

Precisamos revisar as bases sob as quais construímos a própria comunidade LGBTI+. Se elas reproduzem lógicas de opressão e superioridade de um grupo sob o outro, uma lógica falocêntrica e que colabora para a discriminação, bullying, ódio e suicídio de homens trans e pessoas transmasculinas, o que difere este movimento dos grupos extremistas que atacam as pessoas LGBTI+? 

Ser da comunidade LGBTI+ não te blinda de ser uma pessoa transfóbica. Mas por ser da comunidade LGBTI+, mais do que qualquer coisa, é nosso dever ser, verdadeiramente, comunidade e fazer valer a nossa bandeira, valorizando todas as cores e pessoas que compõem esse grupo.

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Por Caluã Eloi

Formado em Produção Cultural, especialista em Linguagens Artísticas, Cultura e Educação e mestre em Artes, Cultura e Linguagens. Fundador do canal no Youtube Cadê o Amor, no qual promovia debates sobre direitos humanos, para democratizar o acesso ao conhecimento sobre Diversidade, Equidade e Inclusão. Foi consultor de D&I na ong Todxs, onde foi representante da ong na campanha da ONU sobre a importância do voluntariado em 2021. Autor mais vendido no I Festival Carioca do Livro, em 2018, com a obra ‘Não se nasce Malévola, torna-se: a representação da mulher nos contos de fadas’ e vencedor do Prêmio Conceição Evaristo de Literatura Afrofuturista em 2023. É consultor de Diversidade e Inclusão.

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