Ausência de doença não é sinônimo de saúde. É o que diz a OMS que define saúde como um estado de bem-estar biopsicossocial-espiritual, ou seja, um bem-estar que contempla o estado físico, a relação consigo mesmo e com os outros e o relacionamento com suas próprias convicções e crenças. Dentro deste contexto, saúde mental é definido como um bem-estar que permite que a pessoa seja capaz de realizar, com suas próprias habilidades, suas atividades rotineiras, trabalhar de forma produtiva, recuperar-se do estresse e contribuir para sua comunidade. Para promover reflexões e, principalmente, proporcionar ações que visem a saúde mental, além de pensar estratégias de políticas públicas para lidar com o adoecimento psíquico, foi criado o Dia Internacional da Saúde Mental celebrado no próximo dia 10.
Apesar dos muitos avanços nas políticas garantidoras de direitos à população LGBTI+, a realidade social faz pouco provável um estado de saúde mental pleno para essa parcela da sociedade. Pessoas que divergem do padrão cis-heteronormativo frequentemente são estigmatizadas e discriminadas, sendo expostas em múltiplos cenários a contextos hostis e violentos. Seja devido à marginalização proporcionada pela presença da homossexualidade e de experiências transgêneras como disturbios mentais em manuais diagnósticos em um passado pouco distante, seja por uma averção advinda de convicções pessoais ou religiosas, o preconceito direcionado a pessoas LGBTIs foi e é disseminado, sendo demonstrado em forma de repúdio público e agressões verbais, físicas e psicológicas. Essas circunstâncias levam ao abalo da autoestima e da autopercepção, fazendo com que as pessoas se desacreditem de si mesmas e de suas habilidades. Adicionado a isso, a falta de apoio familiar leva a crença de que o afeto não lhes é permitido, há tanto uma retração em receber quanto em demonstrar afeto, dificultando ainda mais o vínculo social.
O Brasil é reconhecido mundialmente como um dos países com um dos maiores índices de violência contra a população LGBTI+. No ano passado foram registradas 273 mortes violentas de pessoas LGBTI+ (Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+), em 2022 foram 100 assassinatos de pessoas trans, 15 suicídios e 3 vítimas letais de aplicação clandestina de silicone industrial (Rede Trans). Paralelo a isso, dados globais apontam um maior adoecimento mental das pessoas LGBTI+, principalmente entre a população trans. Questões como depressão, ansiedade, distúrbios alimentares, automutilação, pensamentos e comportamentos suicidas são tragicamente frequentes e são mais comuns que em pessoas cis-hetero.
É difícil determinar uma causa única para o adoecimento dessa população, mas é certo afirmar que além dos pontos citados, a ausência de locais adequados de acolhimento e escuta aumentam as chances de piora do estado mental dessas pessoas. Muitas vezes as famílias e o ciclo social excluem pessoas LGBTI+ do convívio, trazendo sofrimento e solidão. Uma forma de se sentirem acolhidos e pertencentes é se engajando em ações de militância que, apesar de ser um ambiente que ampara, também os coloca de frente com problemas como dificuldades em conseguir apoio governamental e de organizações, não pagamento por ações realizadas em contextos de campanhas empresariais, divergências de experiências dentro da própria comunidade (invisibilidade bissexual e transmasculina, por exemplo) e exposição constante às notícias de violência, experiências essas que geram desgaste emocional e frustração.
Como então evitar o adoecimento e, acima de tudo, promover saúde mental LGBTI+? Mesmo que ainda longe do cenário adequado, o Brasil tem implementado políticas públicas com foco em grupos minorizados como disponibilização de serviços de saúde e leis de combate à homofobia. A capacitação de profissionais da saúde, em especial psicólogos e psiquiatras, é essencial, também, para que essa população tenha espaços de promoção de saúde adequados e que façam uma leitura pertinente de suas vivências.
Num contexto mais amplo, as demais esferas de convívio social devem promover ambientes que protejam e respeitem os direitos básicos das pessoas LGBTI+. A garantia de espaços que garantem a plena realização de seus direitos civis, políticos, sociais e econômicos permitem que as pessoas se sintam seguras e livres, permitindo uma melhor saúde mental. Pesquisas voltadas para a população nacional ainda são escassas, mas garantem que, com uma visão mais ampla e fidedigna das vivências LGBTI+, políticas públicas possam ser criadas e mais bem adaptadas às diferentes realidades. A segunda fase do estudo SMILE, que terá os dados divulgados no ano que vem, está em andamento. O objetivo da pesquisa é coletar informações e investigar experiências de vida, desafios e bem-estar de pessoas que se identificam como minorias sexuais e/ou de gênero no Brasil, Quênia e Vietnã (a pesquisa pode ser acessada aqui https://brasil.smilestudy.org/pesquisa/).
A promoção da saúde mental abrange ações que permitam criar condições de vida e ambientes saudáveis e que apoiem a saúde mental. Manter hobbies, melhorar a relação com o próprio corpo, desenvolver rotinas que permitam a auto reflexão e frequentar ambientes que promovem e permitam uma conexão com a cultura e a espiritualidade também são formas de promoção da saúde mental. Todas as pessoas têm o direito a uma saúde mental plena e é papel de todo mundo contribuir para uma sociedade mais saudável para todas as pessoas.
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Redação: Natália Dantas
Revisão: Amanda de Moraes
Referências:
https://ojs.focopublicacoes.com.br/foco/article/view/4960
https://www.unicef.org/brazil/blog/lgbtqiap-mais-e-saude-mental