Formar pessoas é só o começo. O verdadeiro desafio dos projetos de empregabilidade está em garantir que essa formação se transforme em renda, dignidade e permanência no mercado de trabalho. E isso exige mais do que boas intenções: exige estratégia, acompanhamento e compromisso com o longo prazo.
Neste terceiro e último artigo da série, quero falar sobre o que vem depois: como avaliar, sustentar e evoluir projetos voltados para pessoas LGBTI+ e outros grupos vulnerabilizados.
1. O que realmente importa quando falamos de impacto?
Muita gente se empolga com métricas fáceis: número de participantes, vagas abertas, empresas parceiras. Isso tudo é importante, sim. Mas não mostra o que de fato muda na vida da pessoa.
Impacto real é quando alguém diz:
- “Consegui pagar minhas contas sem me prostituir.”
- “Pela primeira vez, um colega de trabalho me chamou pelo meu nome social.”
- “Hoje eu consigo sonhar com uma carreira.”
Essas falas são dados. São indicadores de transformação. E para coletá-los, é preciso ir além de planilhas: fazer escutas, registrar depoimentos, acompanhar trajetórias.
📌 Dica prática: combine dados quantitativos (ex: aumento de renda, acesso ao emprego formal) com dados qualitativos (ex: autoestima, pertencimento, bem-estar emocional).
2. A curva de aprendizagem precisa ser respeitada
A sua pesquisa já mostrou que cada pessoa aprende em um ritmo. Isso vale dobrado para quem foi historicamente excluído da escola e do trabalho.
Nem todo mundo vai sair do projeto “pronto” para o mercado e tudo bem.
É aí que entra a curva de aprendizagem: aquela ideia de que a gente melhora com o tempo, com apoio e com prática.
A função do projeto é acompanhar essa curva com paciência e estratégia, oferecendo:
- feedbacks constantes;
- atividades práticas com suporte;
- espaço seguro para errar e tentar de novo.
3. Motivação não é automática e precisa ser cultivada
Pessoas LGBTI+ em vulnerabilidade geralmente já passaram por situações de abandono, violência, discriminação e exclusão. Esperar que estejam “motivadas” para seguir sozinhas após a formação é injusto e contraproducente.
Por isso, os projetos precisam incluir ações de fortalecimento emocional e comunitário:
- Grupos de apoio pós-formação;
- Parcerias com serviços públicos de saúde mental (como CAPS);
- Mentorias contínuas com ex-participantes e pessoas da comunidade;
- Incentivo à formação de redes autônomas de colaboração.
📌 Motivação se nutre de vínculos. E os vínculos não se encerram no dia da formatura.
4. Como garantir continuidade com poucos recursos?
Eu sei: a maioria dos projetos do terceiro setor vive no limite do orçamento. Mas a continuidade não precisa ser cara, precisa ser planejada.
Aqui vão algumas ideias possíveis:
- Criar grupos no WhatsApp/Telegram com encontros mensais gratuitos.
- Conectar egressos com novas turmas como mentores voluntários.
- Criar parcerias com empresas que ofereçam bolsas ou vagas prioritárias.
- Usar plataformas EAD acessíveis para conteúdos de reforço contínuo.
- Construir comitês de acompanhamento que envolvam equipe técnica, participantes e comunidade.
💡 Projetos bem sustentados não acabam, se multiplicam.
5. O papel da escuta contínua
Você já escutou o público antes de criar o projeto. Agora é hora de escutar de novo. A escuta contínua é o que garante que o projeto não congele no tempo. Porque a vida das pessoas muda, o contexto muda, e as demandas também.
Algumas perguntas que você pode continuar fazendo:
- O que mais ajudou você a continuar no projeto?
- O que você faria diferente se estivesse no nosso lugar?
- Como está sua vida agora, em relação a antes do projeto?
Essas respostas são ouro. Use para evoluir.
Projetos não mudam vidas. Pessoas mudam vidas
Mas projetos bem pensados, bem executados e bem acompanhados criam as condições para que as pessoas possam florescer.
A gente não resolve desigualdade com um PDF de plano de aula. A gente resolve com coragem, escuta, afeto e compromisso contínuo com justiça social.
Se você trabalha no terceiro setor, lembre disso: incluir é o mínimo, transformar é o nosso dever.
Obrigada por acompanhar essa série 💜
Se ela te ajudou de alguma forma, compartilhe com quem também está nessa luta.