Pelo levantamento das Nações Unidas, uma em cada 9 pessoas do mundo tem 60 anos ou mais. E estima-se um crescimento para 1 em cada 5 por volta de 2050, que pela primeira vez, haverá mais pessoas idosas que crianças menores de 15 anos chegando a 2 bilhões de pessoas ou 22% da população global. No Brasil, a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018) apurou a estimativa de 31 milhões de pessoas idosas em nosso país.
Há extensas pesquisas no campo da psiquiatria referindo à ideia de que os desafios psicológicos e emocionais enfrentados por pessoas que se identificam como homossexuais ou bissexuais – como abuso de substâncias, taxas mais altas de suicídio e comportamentos sexuais de risco – não são inerentes à sua orientação sexual. Em vez disso, essas questões surgem dos fatores sociais e ambientais que encontram, como preconceito, discriminação e violência.
O estresse e o trauma causados pelo estigma social, rejeição da família ou da comunidade e outras formas de marginalização muitas vezes levam a lutas de saúde mental e comportamentos de risco como mecanismos de enfrentamento. O “consenso” mencionado aqui enfatiza que esses resultados negativos são o resultado de fatores externos, e não algo intrínseco à sua identidade sexual (King et al., 2008).
Se tratando da população LGBTI+ idosa percebe-se que enfrentamentos desafios únicos que podem intensificar os problemas de saúde mental comuns na comunidade. Para pessoas LGBTI+ idosas, vários fatores históricos e sociais provavelmente contribuem para traumas e sofrimentos mais profundos:
Vivendo uma era de maior opressão:
- Muitos idosos LGBTI+ cresceram em um tempo onde a orientação sexual e e as identidades de gênero não conformes não eram apenas estigmatizadas, mas muitas vezes criminalizadas e tratadas como doenças mentais.
- A intensa pressão social para se conformar às normas tradicionais de gênero e sexualidade foi muito mais forte nas décadas anteriores, forçando muitas pessoas a esconder suas verdadeiras identidades para evitar discriminação, assédio ou mesmo violência.
- Essa necessidade de esconder sua identidade pode ter levado a traumas e dores emocionais ao longo da vida, pois lhes foi negada a capacidade de se expressar abertamente ou receber apoio durante os estágios críticos da vida.
Trauma e sofrimento mental:
- Ter que suprimir a identidade e viver com medo constante da descoberta, pode levar a cicatrizes psicológicas profundas. Para muitas pessoas idosas LGBTI+, essa experiência de repressão contínua pode ter causado traumas não resolvidos, levando a sentimentos de isolamento, ansiedade e depressão.
- Esses indivíduos também podem enfrentar um sentimento composto de alienação tanto da sociedade em geral quanto às vezes até das gerações mais jovens dentro da comunidade LGBTI+, devido a diferenças de experiências e mudanças culturais.
Problemas de saúde mental intensificados na vida adulta:
- À medida que envelhecem, essas pessoas idosas podem enfrentar a solidão, já que muitos não tiveram a oportunidade de construir estruturas familiares tradicionais. Isso pode levar à falta de redes de apoio social em seus últimos anos, aumentando a vulnerabilidade a problemas de saúde mental.
- O efeito combinado do trauma histórico e do atual isolamento social que pode vir com o envelhecimento acaba exacerbando problemas de saúde, cardiovasculares, declínio cognitivo, sofrimento mental como depressão, ansiedade e pensamentos suicidas (King & Richardson, 2017); (Pereira, 2021)
A Teoria de Estresse de Minoria, desenvolvida por Ilan H. Meyer (1995, 2010), explica por que pessoas de grupos marginalizados, como a comunidade LGBTI+, experimentam taxas mais altas de problemas de saúde – especialmente problemas de saúde mental – devido ao estresse crônico decorrente de seu status de minoria na sociedade. Essa teoria é particularmente relevante para a compreensão dos desafios de saúde enfrentados pela população idosa LGBTI+, que viveu décadas de opressão social, estigma e discriminação.
Existem três processos de estresse de minorias na população composta por gays, lésbicas e bissexuais identificados na literatura (Costa et al., 2020; Meyer, 1995, 2003):
1) Estigma imposto ao envolver experiências da expressão explícita de outras pessoas, que englobam perseguição, rejeição, agressão, violência ou discriminação relacionadas à orientação sexual;
2) Homonegatividade internalizada referente ao processo de o indivíduo absorver atitudes sociais negativas e incorporá-las à sua identidade pessoal, o que leva a sentimentos de vergonha e tristeza e comportamentos evitativos e autodestrutivos, por exemplo;
3) Encobrimento da orientação sexual/identidade de gênero por temer punição e rejeição na sociedade.
Informações de fontes estadunidenses, mostram que enquanto 33% dos estadunidenses com mais de 50 anos moram sozinhos, em minorias sexuais e de gênero esse número pode chegar a 75%. Já o segundo não compreende apenas abusos físicos, mas também agravos psicológicos, financeiros, sexuais, institucionais e relacionados a negligências.
Neste sentido, o fenômeno da violência leva a consequências complexas na saúde mental de pessoas idosas LGBTI+, que ao mesmo tempo que apresentam maiores riscos de sofrerem tal agravo, são aqueles com menores chances ou maiores dificuldades em denunciar tais situações para as autoridades policiais ou sanitárias.
Outra camada indesejável a que podem ser expostos se refere aos seus locais de moradia, já que não é incomum o número de idosos que precisam morar numa instituição de longa permanência (LPIs), espaços que aparentemente ainda não estão preparados para lidarem com a diversidade. (Milton Crenite, 2020)
Alguns estudos sugerem que para reduzir efetivamente o sofrimento experimentado por pessoas LGBTI+, é essencial adotar uma abordagem multifacetada. Essa abordagem está enraizada tanto no apoio psicológico quanto na mudança social.
Apoio:
- Fornecer serviços de saúde mental especificamente adaptados a indivíduos LGBTI+ é crucial. Esses serviços podem ajudar as pessoas a processar o trauma causado pelo preconceito, discriminação e violência, oferecendo-lhes maneiras mais saudáveis de lidar com suas experiências.
- As redes de apoio social são igualmente importantes, como grupos comunitários, apoio de pares e ambientes sociais inclusivos. Estes promovem um sentimento de pertencimento e segurança, o que ajuda a mitigar os efeitos negativos da exclusão social.
Proteção contra preconceito e violência:
- Isso envolve proteções legais e políticas que protegem as pessoas LGBTQIAPN+ da discriminação em vários aspectos da vida, como moradia, emprego, saúde e serviços públicos.
- Também inclui esforços para combater a violência física e emocional, seja por meio de iniciativas de aplicação da lei ou de segurança comunitária, garantindo que as vítimas tenham os meios para denunciar incidentes e buscar justiça.
Formação de Profissionais de Saúde e Educadores:
- Um aspecto crítico da redução do sofrimento envolve a educação de profissionais que estão em posição de prestar cuidados ou influenciar o ambiente social. Por exemplo:
- Os profissionais de saúde precisam de treinamento em questões LGBTI+ para oferecer cuidados de apoio e sem julgamento, reconhecendo os desafios específicos de saúde e as necessidades de saúde mental que surgem ao viver em um ambiente estigmatizado.
- Os educadores devem ser treinados para criar salas de aula inclusivas e ambientes escolares livres de bullying e discriminação. Isso inclui promover um currículo que respeite e afirme diversas identidades sexuais.
Criando ambientes seguros (Costa et al., 2016).:
- O objetivo desses programas de treinamento é estabelecer ambientes – seja em escolas, ambientes de saúde ou espaços sociais mais amplos – onde as pessoas LGBTQIAPN+ se sintam seguras, respeitadas e compreendidas.
- Ambientes seguros ajudam a prevenir mais danos psicológicos e garantem que os indivíduos não tenham que enfrentar continuamente o preconceito ou a violência que leva a comportamentos de risco e lutas de saúde mental.
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Referências:
- https://www.scielo.br/j/pusf/a/cFw86p5VF5QQLyPbMW3MT9q/?lang=pt
Costa, A. B., Paveltchuk, F., Lawrenz, P., Vilanova, F., Borsa, J. C., Damásio, B. F., … Dunn, T. (2020). Protocolo para Avaliar o Estresse de Minoria em Lésbicas, Gays e Bissexuais. Psico-Usf, Bragança Paulista, 25(2), 207–222 - Costa, A. B., Pase, P. F., de Camargo, E. S., Guaranha, C., Caetano, A. H., Kveller, D., … & Nardi, H. C. (2016). Effectiveness of a multidimensional web-based intervention program to change Brazilian health practitioners’ attitudes toward the lesbian, gay, bisexual and transgender population. Journal of Health Psychology, 21(3), 356-368. doi: 10.1177/1359105316628748.
- https://psycnet.apa.org/doiLanding?doi=10.1037%2F0033-2909.129.5.674
Meyer, I. H. (2003). Prejudice, Social Stress, and Mental Health in Lesbian, Gay, and Bisexual Populations: Conceptual Issues and Research Evidence. Psychological Bulletin, 129(5), 674–697 - https://www.jstor.org/stable/2137286?origin=crossref
Meyer, I. H. (1995). Minority stress and mental health in gay men. Journal of Health and Social Behavior, 36(1), 38–56 - https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/13607863.2021.1916883
Pereira, H. (2021). The impacts of sexual stigma on the mental health of older sexual minority men. Aging and Mental Health, 1–6 - https://doi.org/10.1891/0198-8794.37.59
King, S. D., & Richardson, V. E. (2017). Mental health for older LGBT adults. Annual Review of Gerontology and Geriatrics, 37(1), 59–75 - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica – IBGE. (2018). Projeções da População. Retrieved from https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/projecao-da-populacao/tabelas